Hermes Fernandes
Em vinte e seis
anos de ministério, esta semana foi a primeira vez que conduzi uma
cerimônia fúnebre em que a pessoa falecida foi cremada. Domingo, depois
do culto da manhã, eu e minha família, juntamente com com a família de
nossa amada Terezinha Santana, fomos lançar suas cinzas ao mar,
atendendo o pedido que fizera. Jamais esquecerei dos momentos de emoção
que vivemos na Escola Naval, atrás da pista de pouso e decolagem do
Aeroporto Santos Dumont, de frente para o Pão de Açúcar.
Pouco antes da
breve cerimônia de despedida, chamei a atenção de todos para a cicatriz
geológica que há na montanha do Pão de Açúcar em forma de fênix, o
pássaro mitológico que ressurge das cinzas. Eles não poderiam ter
escolhido lugar melhor para depositar as cinzas de nossa amada e
inesquecível irmã.
Lembro-me que
anos atrás, perto de completar oitenta anos, Terezinha me procurou em
meu gabinete para perguntar sobre a possibilidade de ser cremada.
Segunda ela, este era um desejo que nutria desde a sua mocidade, mas que
nunca tivera coragem de expressá-lo a ninguém, receosa de que fosse
recriminada.
Orientei-a de
acordo com a minha consciência em Cristo, afiançando-lhe de que não
havia qualquer problema em optar pela cremação em vez de pelo
sepultamento.
Ainda há muita
resistência por parte dos cristãos e judeus com relação a esta prática
considerada pagã. Quando morei nos Estados Unidos, conheci um advogado
judeu muito rico que pediu para ser cremado. Depois de falecer, seu
rabino tentou em vão dissuadir a família a atender o seu pedido.
Desde os
primórdios, os judeus enterravam seus mortos diretamente na terra ou em
túmulos de pedra. Alguns veem na palavra dada por Deus a Abraão uma
espécie de mandamento para todos os que dele descendem: "E tu irás a
teus pais em paz: em boa velhice será sepultado" (Gn.15:15). O próprio
patriarca sepultou a Sara, sua mulher (Gn.23:19-20).
Ainda hoje,
quando um judeu morre numa explosão de bomba, religiosos judeus
ortodoxos reúnem cada pedaço encontrado para que seja sepultado.
De fato, não
era costume entre os judeus cremar os corpos de seus familiares. Aliás,
tal prática era vista com horror. Em Amós lemos que uma das
transgressões cometidas pelos moabitas foi queimar os ossos do rei de
Edom (Am.2:1). Convém lembrar, todavia, que o pecado não foi
simplesmente o fato de queimar, mas de profanar seus restos mortais.
Para aquela cultura, sepultar era sinônimo de honrar a memória. Queimar o
cadáver era desonrar a sua memória. Trata-se, portanto, de uma questão
cultural, semelhante à relacionada ao tamanho dos cabelos do homem e da
mulher.
Há quem creia
que para que a pessoa seja ressuscitada no último dia, ela terá que ter
sido sepultada. Dá-se a impressão de que Deus dependa da preservação do
DNA dos mortos para poder trazê-los de volta à vida. O que dizer dos que
foram vítimas de explosões, de incêndio, de naufrágio?
Lemos em
Apocalipse 20:13 que no último dia, o Dia do Juízo Final, o mar terá que
devolver os mortos que nele foram lançados. Ora, se Deus é poderoso
para extrair do mar corpos que se dissolveram, por que não seria capaz
de trazer de volta os que foram consumidos pelo fogo? Ademais, muitos
cristãos primitivos foram queimados vivos e suas cinzas espalhadas pelo
vento.
Se você deseja
ser cremado, sinta-se livre para isso. Não será isso que comprometerá o
seu testemunho diante dos homens, tampouco a sua comunhão com Aquele que
lhe criou. Seu corpo é templo do Espírito Santo enquanto está vivo.
Depois de morto, para nada mais serve, a não ser esperar pela
ressurreição, quando o receberemos glorificado e incorruptível.
Hermes Fernandes colabora com o Genizah
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